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Culturalização e humanidades

19 maio de 2015

Por Paulo de Tarso Rezende Ayub

            Senti-me como na Festa de Babette, a saborear o manjar dos deuses. A culminância da gincana cultural do Ensino Médio (primeiras séries) fez-se um alento para pensares e sentires. Experimentação, ao vivo e em cores, do currículo de perspectiva cultural: no visível e no sensorial. Aprendentes convertidos em ensinantes para interlocutores em estado de graça. Produções culturais e afetivas, ora carregadas nos braços como frutos do ventre materno, ora moldadas por detalhes e simbologias da exposição oral.

            E um dia os ventos conspiraram a favor para que a educação não cognitiva ganhasse espaço. Sim, porque antes haviam conspirado contra, devido às manifestações populares (anti e pró-governo) que hoje tomam a pauta da realidade nacional, no previsto e no inesperado, e cujo último calendário pareceu propositalmente definido para atravancar a gincana. Mas os adiamentos/acomodações para fazer a atividade acontecer não esmoreceram os ânimos dos envolvidos, porque uma escola viva, como fênix, deve renascer das adversidades.

            Mesa-redonda de abertura regada a falas sem papas na língua e polêmicas bem-humoradas. Círculo virtuoso de histórias e estórias de vida, como no título da trama infantil de Maria Helena que presta tributo ao Nono Gusto. Profissionais da Escola trazendo a gênese de sua etnia e os dilemas de habitar um Estado tão provido de potencialidades culturais e desprovido de visibilidade das mesmas. Depoimentos intimistas com cheiro de casa de família e arejados pelas vivências da rua. Sensações partilhadas aos quatro ventos nos labirintos da vida, do pensamento concreto e da imaginação libertadora.

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            Tarefa coletiva ousada esta da feira livre étnica, tendo os alunos como os anfitriões. Tão pulsante na compreensão da gastronomia como mote cultural e relacional. Dos sabores da mesa para os sabores de compartilhar o bom prato e o bom causo, o trânsito livre e a conversa não ensaiada, os alimentos do corpo e os alimentos da alma. Em meio à aparente sensação de caos, uma mostra de planejamento e método. Competitividades substituídas por partilhamentos; dificuldades enxergadas como oportunidades. Empreendedorismo e afetuosidade em larga escala.

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            Tarefas-relâmpago, aparente sinônimo de instabilidade, converteram-se em felicidade partilhada– como se tivéssemos nos convertido momentaneamente em personagens do filme Chocolate. As expressões dos alunos-executores, professores-propositores e espectadores-motivadores como prova viva de que o gosto por desafios é uma marca humana. Da decifração de enigmas e moldagem do barro às sensações organolépticas (nome mais propício!); da adrenalina das competições esportivas ao incômodo de buscar respostas precisas para perguntas complexas – tudo ecoava apelo cultural e afetivo. Cenas para reter na memória.

            E o fechamento do ciclo com chave de ouro. Nas tarefas de grupo, os alunos encontraram espaço para alternar-se nos papéis de roteiristas e personagens, artesãos e artistas, documentaristas e grafiteiros, repórteres investigativos e cidadãos antenados, explanadores e ouvintes, dominando palcos físicos e interiores. Leituras críticas e simbólicas da realidade multifacetada. Teceres de muitas mãos e mentes. E, muito mais que palavras grandiloquentes para resgatar as vivências, valeu mesmo foi tê-las vivido.

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            Sobre detalhes técnicos e demonstrações de saberes, deixo-os a cargo dos informativos digitais produzidos por alunos de todas as turmas, já divulgados neste ambiente digital. Adentro o terreno das sensações que ocupam as agendas internas de cada um de nós. E, enquanto vou passeando pelo reino das palavras ou pelos registros fotográficos contundentes, minha alma mostra-se leve e a mente revigorada para a continuidade deste projeto que traz a essência da escola com função formativa para a vida e a transformação sociocultural.

            E até a tecnologia, para a qual olhamos meio incomodados quando imersos no universo escolar (pelos riscos de desvio de foco), resolveu posar de coadjuvante. Laptops, celulares e aplicativos cujos nomes e poderes são de maior domínio dos estudantes souberam estar nos bastidores, dando suporte ao protagonismo humano.

            Como professor destes alunos que nos presentearam com tanto envolvimento e disposição, e falando em nome de tantos de meus pares que também degustam a inestimável sensação de lidar com o protagonismo juvenil e a formação de lideranças para o futuro, agradeço a oportunidade de ter sido parte integrante e cooptada destas vivências que, mais que os corredores escolares, preencheram os espaços da alma.

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